BLOG PT_BR jan 28- Para acabar de vez com a Lusofonia
BLOG ANO PORTUGAL BRASIL PORTUGAL – Dia 28 de janeiro 2013
Notícias–Visões
e Cultura de Portugal – A Crise Econômica
ANO BRASIL
PORTUGAL-Acompanhe a programação neste site:
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INDICE
1.PORTUGAL-Visões
2.NOTÍCIAS
3. PORTUGAL E A
CRISE - Memória e Análises
1–VISÕES :
Para acabar de vez com a Lusofonia
A lusofonia é a última marca de um império que já
não existe. E o último impedimento a um trabalho adulto sobre as múltiplas
identidades dos países que falam português
Lusofonia é um conceito vago, demasiado vago - e
uma versão kitsch de uma boa relação de Portugal com os países que
foram colónias, que são ex-colónias. Alimentada pela esquerda mais retrógrada e
pela direita mais nacionalista e nostálgica do império, a lusofonia tem uma
história, balizada por alguns acontecimentos.
Um trabalhador chinês faz
uma pausa durante uma jornada de trabalho em Viana, perto de Luanda @Público
Num primeiro momento, surge a ilusão de unir o
Atlântico ao Índico, Angola a Moçambique, através de um projecto político que
reforçava a necessidade de encontrar recursos económicos extraordinários no
momento em que começavam a sentir-se no país os efeitos da revolução
industrial. (Note-se que hoje é novamente com este argumento, agora usando a
terminologia do investimento empresarial e da cooperação económica, que se
evoca a lusofonia.) O projecto foi apresentado no Congresso de Berlim (1884-85)
e fundamentava-se no direito de ocupação daqueles territórios, direito esse que
na verdade era falso - à época, nenhuma potência colonial ocupava mais do que
franjas do território africano. Este projecto, designado como Mapa Cor-de-Rosa,
foi inteiramente rejeitado pelos países que traçaram as fronteiras africanas,
nomeadamente pela Inglaterra (que impôs o Ultimato de 1890).
Num segundo momento, dá-se a apropriação salazarista
da tese do luso-tropicalismo do brasileiro Gilberto Freyre (1900-1987), tese
essa que está presente na defesa política e diplomática do colonialismo, em
particular entre 1933 e 1961: “A primeira data corresponde ao ano da publicação
deCasa-grande & Senzala, obra em que são lançados os fundamentos
da doutrina luso-tropicalista; a última, ao ano da publicação de O Luso e o
Trópico, livro em que a doutrina surge em “estado acabado”” (O modo
português de estar no mundo, Cláudia Castelo). O luso-tropicalismo, que se
configurou como a essência da identidade dos portugueses, passou a ter como
objectivo criar as bases de um império mítico construído sobre os afectos e o
multi-racialismo (no qual o autor nunca vira sinais de tensão). Sem bases
históricas, baseando a sua teoria na origem, também ela “mestiça”, do português
face à influência de judeus e árabes, na sua capacidade de adaptação aos
trópicos e no seu humanismo cristão, Gilberto Freyre, sociólogo com prestígio
internacional, deu à sua tese uma cientificidade que assegurou a política do
Estado (a partir da segunda metade dos anos 50) e produziu, no campo cultural,
um conjunto vastíssimo de miríades que acabaram por estruturar o campo das
mentalidades.
Benguela, fotografias rodagem Eu Sou África, 2010
Depois do 25 de Abril, muito do trauma e do luto
pela perda das últimas colónias foi feito através de uma relativização da
violência dos portugueses sobre os africanos - a guerra colonial portuguesa
teria sido mais branda do que as de outros países colonizadores. Como se os
massacres das tropas portuguesas em Wiriyamu e Mihinjo não fossem a expressão
da barbárie… Impôs-se aquilo que seria uma cultura comum, cuja matriz era a
portuguesa - e para a qual a confusão entre língua e cultura era oportuna e
baseada na relativização das dores.
Perdido o que restava do império, a crise da
identidade nacional não foi superada por um trabalho de revisão das narrativas
identitárias nem por um trabalho colectivo sobre as memórias na educação, na
política, nas actividades culturais e artísticas. Demorou mais de 20 anos a
aparecer uma literatura; algumas, muito poucas, artes performativas
abeiraram-se do problema, e só a geração de cineastas que começou a filmar na
década de 90 se confrontou com as narrativas míticas e com o presente das
ex-colónias. “As contas a ajustar com as imagens que a nossa aventura
colonizadora suscitou na consciência nacional são largas e de trama complexa
demais. A urgência política só na aparência suprimiu uma questão que também na
aparência o país parece não se ter posto. Mas ele existe. Querendo-o ou não,
somos agora outros, embora como é natural continuemos não só a pensar-nos como
os mesmos, mas até a fabricar novos mitos para assegurar uma identidade que, se
persiste, mudou de forma, estrutura e consistência” (Eduardo Lourenço).
Porém, a lusofonia, no logro de ser uma pátria de
uma língua comum, uma forma torpe de neo-colonialismo, é também a prova da
incapacidade de construção de um país pós-colonial que não consegue olhar as
suas ex-colónias numa relação de confronto de interesses e de respeito pelas
identidades que cada um desses países pretende construir. Com tudo isto há, por
parte da esquerda conservadora, uma pretensa relação, baseada nos afectos e nos
negócios; e, na direita, uma relação que se baseia na nostalgia, nos negócios e
na defesa do uso da língua conforme à sua matriz lusitana.
Luanda, fotografias rodagem Eu Sou África 20010
Ora, para que esta pretensão neo-colonial exista,
a RTP África, a RTP Internacional - e, de uma forma mais naïf, o JL-
são os instrumentos adequados. Já o Acordo Ortográfico, por sua vez, é,
sobretudo pela forma como foi feito, uma tentativa de resistir ao estilhaço da
lusofonia. No entanto, também não saem bem aqueles que acusam o referido Acordo
de cedência da língua a outros países - como se ela fosse uma propriedade dos
portugueses. E não deixa de ser paradoxal que um Governo que tanto exige da
lusofonia, como se ela fosse o campo ideal de negócios - e como se alguma vez o
capital tivesse um país -, tenha feito desaparecer a cultura da missão do
Instituto Camões na última Lei orgânica - e não tenha, neste momento, nenhum
conselheiro cultural em nenhum dos países africanos de língua oficial
portuguesa.
Colonizar ou neo-colonizar e civilizar sempre
estiveram juntos; por isso é recorrente encontrar, sob a forma de cooperação, a
imposição de um assistencialismo em língua portuguesa que civilize sem “lhes”
perguntar (a eles) - como reclama Appadurai - o que querem (o que quer o outro)
e como querem (como quer esse outro) a cooperação.
Neste processo de reconstrução de identidades, o
Brasil há muito começou com a investigação e a construção de narrativas das
suas memórias - pese embora o trabalho sobre o passado índio ser muito menos
relevante do que o africano -, e até se conseguiu construir como um país de
glamour e terra de oportunidades, mito que o liberta definitivamente de
Portugal e o transforma numa pátria de oportunidades míticas tanto para os
europeus como para os chineses, para os antilhenses ou para os africanos. A
responsabilidade desta construção mítica e aparentemente glamorosa não é,
naturalmente, dos historiadores nem dos estudioso da cultura.Mais: em África,
muitos africanos começaram também os seus trabalhos de reconstrução da
identidade - de si mesmos enquanto sujeitos históricos e num dado contexto, e
dos seus países. Disso são prova os trabalhos dos angolanos Victor Barros e
António Tomás, dos moçambicanos Mia Couto e Eliso Macamo e, em Portugal, os
pertinentes estudos de Joaquim Valentim, Cláudia Castelo, ou o trabalho da
revista/sítio webBuala, entre outros. De facto, “se a lusofonia se
mantém como um princípio organizador das representações sociais dos
portugueses, não há concordância entre os portugueses e africanos a esse
respeito: os portugueses valorizam-na, os africanos rejeitam-na. Dito de outro
modo, a este nível, a valorização da lusofonia não encontra correspondência da
parte dos africanos que são, em boa medida, interlocutores por excelência dessa
lusofonia. Mais ainda, os africanos não só manifestam uma posição contrária à
dos portugueses em relação à lusofonia, como a importância que atribuem à sua
identidade étnico-nacional se encontra associada negativamente à valorização da
dimensão lusófona nas representações das semelhanças dos portugueses com outros
povos”. (Joaquim Valentim, Identidade e Lusofonia nas Representações
Sociais de Portugueses e de Africanos).
Dombe Grande, fotografias rodagem Eu Sou África 2010
É compreensível. E se é possível criar uma
comunidade de países que têm como língua oficial o português, com todas as suas
variantes, e cujo uso pelas populações pode ir dos 100% (em Portugal) aos 4%
(em Timor) ou aos 40% (em Moçambique), não é possível entender uma pátria
lusófona comum a países com outras diversidades linguísticas, economias tão
diferentes, regimes políticos distinto e, em particular, histórias singulares.
Uma das maiores violências criadas pelo
luso-tropicalismo não foi querer impor ao Brasil uma essência de ser luso. Foi,
embora admitindo para o Brasil a herança índia e para Portugal a herança árabe,
excluir das ex-colónias africanas a sua história pré-colonial. Ora, a expressão
mais perversa da lusofonia é a amnésia sobre o passado pré-colonial dos países
africanos ou de Timor e, de algum modo, a repetição dessa expressão do
colonialismo que foi “a descoberta” destes povos - que só passaram a ter
história no momento em que os “descobridores” os encontraram. A lusofonia é,
pois, a última marca de um império que já não existe. É também um impedimento a
um trabalho adulto sobre as múltiplas identidades de quem vive em Portugal.
Para lá dos seus contornos coloniais, a lusofonia
tem o efeito de uma epistemologia negativa: impede que se entenda que a razão
da criação de comunidades de países tem por base interesses políticos e
económicos, bem como jogos de partilha territorial. É também assim com a
francofonia, a Commonwealth, o G8 e o G20.
Luanda, fotografias rodagem Eu Sou África 2010
Foi por causa desta realpolitik que Lula
da Silva, enquanto Presidente do Brasil, estabeleceu parcerias económicas
Sul-Sul com a maioria dos países subsarianos. Para esta estratégia, a lusofonia
pouco importou: o argumento cultural foi a africanidade comum (outro mito,
naturalmente).
Quanto aos outros países cuja língua oficial é o
português, não nos resta se não admitir que produzem as suas pesquisas e
trabalhos sobre as suas identidades. Se a presença dos estudos portugueses e da
literatura é quase residual nas universidades destes países, isso não ocorre
por falta de lusofonia mas sim por haver um excesso dessa caricatura da
produção cultural portuguesa exportada que tem o nome de “Cultura Lusófona”.
Os portugueses não têm nenhum atributo de
excepcionalidade mítica. Não precisamos de uma diplomacia lusófona; do que
precisamos é de uma diplomacia de direitos e de igualdades. Este é o momento de
conhecer e dar visibilidade às produções culturais e artísticas, às literaturas
e aos trabalhos científicos destes países por aquilo que valem, por serem
incontornáveis no mundo global, por conterem, até, uma estranheza que é,
porventura, consequência da morte dessa mesma lusofonia.
artigo originalmente ppublicado no ipsílon,
suplemento cultural do jornal Público
(18/1)
2- NOTICIAS
CITADOR -
http://www.citador.pt/textos/
ARQUIVOS
-http://aventadores.files.wordpress.com/2012/02/pacheco-pereira.pdf
PARTIDOS
***
"Supertele
brasileira" será portuguesa
Brasil
247 - Assis Ribeiro
Demissão de Francisco Valim (centro) do comando da Oi pelos acionistas
Carlos Jereissati (esq.) e Sérgio Andrade (dir.) é parte de um movimento mais
amplo; operadora brasileira de telefonia, que recebeu montanhas de dinheiro do
BNDES e dos fundos de pensão, será vendida para a Portugal Telecom e comandada
pelo executivo Zeinal Bava; discurso nacionalista do governo será superado
pelos interesses privados dos sócios que foram ao leilão de privatização sem
dinheiro e embolsarão R$ 2 bilhões.
Em 1998, quando o governo FHC privatizou as telecomunicações, o consórcio
liderado pelo empresário Carlos Jereissati, irmão do então senador tucano Tasso
Jereissati, apresentou uma proposta pela antiga Telemar, que unia
concessionárias no Rio de Janeiro e em vários estados do Nordeste, sem ter
dinheiro para tanto. Ainda assim, aliado ao então presidente da Previ, Ricardo
Sérgio de Oliveira, que ocupa papel de destaque no livro "Privataria
Tucana", venceu o leilão e os fundos de pensão estatais montaram uma operação
emergencial para financiar os compradores.
Dias depois, o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de
Barros, que disputava espaço no governo FHC com Ricardo Sérgio batizou o
consórcio Telemar como "telegangue" e comandou uma intervenção na
empresa. Fez com que o BNDES comprasse 25% das ações e deu início a um novo
processo de venda que deveria culminar com a entrada da Telecom Italia na
empresa. Esse processo foi abortado quando as chamadas fitas do BNDES – grampos
clandestinos publicados pela Folha – derrubaram Mendonça de Barros e permitiram
que Jereissati e seu sócio Sergio Andrade, da empreiteira Andrade Gutierrez,
continuassem à frente da Telemar.
No governo Lula, havia a expectativa de o governo montasse uma grande
empresa brasileira de telecomunicações comandada por fundos de pensão, que eram
acionistas tanto da Telemar, de Carlos Jereissati e Sérgio Andrade, como da
Brasil Telecom, de Daniel Dantas. Fez-se uma fusão à força entre as duas
empresas, que envolveu até ações de espionagem e operações da Polícia Federal,
e governo usou montanhas de recursos tanto do BNDES como dos fundos de pensão
para criar a chamada "supertele nacional" – uma empresa que teria a
missão de enfrentar a espanhola Telefônica, dona da Vivo, a mexicana Telmex, dona
da Claro e da Embratel, e a italiana TIM.
Três anos depois da criação dessa empresa, no entanto, a Oi é a quarta do
setor e não consegue apresentar bons resultados. Tanto que seu presidente,
Francisco Valim, foi demitido por telefone na semana passada. Sua saída, no
entanto, faz parte de um movimento mais amplo. Muito em breve, a
"supertele brasileira" será uma empresa portuguesa. Isso porque
Carlos Jereissati e Sérgio Andrade estão vendendo suas ações para a Portugal
Telecom, numa operação conduzida pelo BTG Pactual, de André Esteves. O novo
presidente da companhia deverá ser o português Zeinal Bava.
Leia, abaixo, nota de Lauro Jardim, que é muito próximo a Sérgio
Andrade:
Uma megaoperação
Carlos Jereissati e Sérgio Andrade iniciaram negociações para a venda de
suas participações na Oi – de 19,35% cada um – para a Portugal Telecom, que é
dona de 12,07% da holding. O quase onipresente BTG Pactual é o banco que
trabalha na operação. Na mesa, um negócio de 2 bilhões de reais, no total. Se a
transação for fechada, marcará precocemente o fim da ambiciosa ideia do governo
de criar uma supertele nacional. Tal como ela foi concebida, em 2008,
Jereissati e Andrade contaram com o firme apoio do BNDES, quando a Oi comprou a
Brasil Telecom. Mas o discurso do governo não se abala: a fundação dos
funcionários da Oi (dona de 11,5% da holding), a Previ (9,7%), a Petros (7,5%)
e o BNDES (13%) serão exibidos como sinais da forte presença brasileira na
empresa.
Na verdade, o caso das telecomunicações mereceria um "Privataria 2
3-PORTUGAL E A CRISE- MEMÓRIA E
ANÁLISE
Portugal 2013
Miguel Urbano Rodrigues
Está
em curso uma das mais ambiciosas operações de propaganda que o actual governo
já levou a cabo. Quanto mais desastrosa é a situação do país, mais esta gente
vem acenar com uma recuperação que ninguém vê. António Borges tem a desfaçatez
de falar em "fim da austeridade". Essa "austeridade", que é
o nome propagandístico da implacável política de saque que o governo leva a
cabo, só terá fim quando esta política e as troikas que a apoiam forem
efectivamente derrotadas.
Portugal oferece nestas semanas a estrangeiros recém-desembarcados a imagem de
um país onde o absurdo e o irracional marcam o quotidiano, empurrando o povo
para uma catástrofe social sem precedentes.
Os jornais e a televisão tornam públicas diariamente notícias que comprovam o
agravamento de uma crise medonha. O desemprego aumenta a cada dia, atingindo já
mais de um milhão de trabalhadores; as falências de empresas sucedem-se em
cadeia; escolas, centros de saúde, serviços hospitalares, farmácias,
restaurantes fecham as portas; centenas de famílias são desalojadas das casas
onde residiam por não pagarem à banca as prestações do contrato; o custo das
propinas força milhares de estudantes a abandonarem as universidades; a
produção industrial e a agrícola diminuem; a fome alastra nas cidades e aldeias
do País; mais de 40 mil portugueses emigraram no ano passado.
O Banco de Portugal informa que a quebra do PIB no ano corrente será quase o
dobro da prevista no Orçamento do Estado; as receitas fiscais diminuem apesar
do aumento dos impostos; as exportações também caem.
O panorama é assustador. Mas o chefe do Governo, o seu ministro das Finanças e
demais membros do gabinete, proclamam monotonamente que a estratégia da
coligação bicéfala é um êxito absoluto. E anunciam, eufóricos, que 2014 será um
ano magnífico.
A agressão semântica complementa a social e económica. A política de saque
imposta em nome da troika é qualificada de "austeridade". A
desvergonha é tamanha que os governantes, ignorando gigantescos protestos
populares e greves em série, elogiam os trabalhadores pelo estoicismo com que
suportam os "sacrifícios", isto é, o roubo.
Enquanto se espera que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre a
inconstitucionalidade de medidas constantes do Orçamento de Estado, o país
tomou conhecimento de um relatório do FMI – encomendado pelo governo – que
considera insuficiente a "austeridade" em curso e sugere como
indispensável um pacote que destruiria o que resta do Serviço Nacional de Saúde
e da Segurança Social e golpearia mortalmente a Educação. Propõe nomeadamente o
despedimento de 150 mil trabalhadores da Função Publica e de uns 50 mil
professores.
Reagindo ao coro de indignação nacional, o primeiro-ministro derramou elogios
sobre esse documento, anunciador de uma intensificação da ofensiva contra o
povo.
O PSD promoveu uma conferência "aberta à sociedade civil" para
debater a "Reforma do Estado". Mas, a comunicação social não foi
autorizada a acompanhar os debates.
Passos, Portas e ministros dirigem-se ao mundo e aos portugueses como
personagens de Jarry e Ionesco em palco de teatro de absurdo.
O governo tudo leva à prática à revelia dos cidadãos e desconhecendo a
existência de uma oposição. Mas o vice-presidente do PSD, Sr. Jorge Moreira da
Silva, compareceu na SIC Noticias para afirmar que, devoto da democracia, o
Executivo tem elevado o nível da participação popular e nada decide sem
consulta ao povo.
A Comunicação Social, controlada hegemonicamente pelo grande capital, demonstra
incapacidade para cumprir a sua função. Nos serviços noticiosos, políticos do
sistema, membros do governo e medidas por ele impostas são alvo de críticas,
por vezes severas. Mas as direções dos media permanecem vigilantes. Uma
contradição antagónica favorece o objetivo prioritário: anestesiar a
consciência social, impedir a ruptura dos mecanismos da alienação.
Os formadores de opinião, em programas de grande audiência, atacam o acessório,
insurgem-se contra medidas, sugerem mudanças, defendem uma remodelação do
governo, criticam, ocasionalmente com dureza, Passos, Portas e outros. Mas
convergem em coro afinado na conclusão de que a "austeridade" é
necessária, que o memorando com a troika, assinado por Sócrates e aprovado com
entusiasmo por Passos & Portas, deve ser respeitado. Coincidem na opinião
de que, afinal, a origem do mal está no estado Moloch, o monstro que deve ser
desmontado, reconstruído. A linguagem dos comentadores não é a de Passos nem a
do seu guru Gaspar. Eles criticam o governo com hipocrisia mas reconhecem,
dolorosamente, que cortar milhares de milhões de euros nos gastos sociais é uma
exigência indeclinável da História, uma necessidade imposta pela lógica da
sobrevivência. Pouco falta para aderirem à tese de Passos sobre a
"Refundação do Estado".
Entre outros formadores de opinião que criticam o acessório mas são solidários
com o governo no fundamental, cito Marcelo Rebelo de Sousa, Miguel Sousa
Tavares, José Manuel Fernandes, José Gomes Ferreira. Pacheco Pereira, o mais
inteligente, é talvez o único comentador que, na hoste dos politólogos da
burguesia, demonstra lucidez na crítica à escória humana que desgoverna
Portugal.
Neste contexto com matizes de surrealismo, o discurso do primeiro-ministro e o
do seu guru Gaspar vão merecer, no futuro, assim o espero, estudo acurado de
psicólogos e psiquiatras.
Ambos, muito diferentes, merecem o qualificativo de avis rara.
Passos é uma inflorescência. Pouco dotado intelectualmente, ignorante, mas
desconhecedor da sua incompatibilidade com a cultura, tenaz, mesmo firme na
defesa do absurdo – acredita, admito, nos benefícios do seu projeto de
destruição do país. As suas falas, arrogantes, sincopadas, são cada vez mais um
amontoado de palavras sem nexo. Com frequência dá o dito por não dito.
Recentemente aconselhou os jovens a emigrarem. Na semana passada, em Paris,
desmentiu-se, afirmando que nunca sugeriu tal coisa.
O melífluo Gaspar, aritmeticamente sabedor, mas irracional na aplicação das
leis da economia, é um discípulo atento do austríaco
Friedrich
Hayek e do americano
Milton
Friedman . Politicamente pouco inteligente, as suas arengas em
defesa de decisões catastróficas, a sua teimosa insistência em mascarar de
rotundos êxitos fracassos transparentes, a sua habilidade em exercer o comando
do governo nos bastidores trazem-me à memória personagens desamadas do teatro
de Molière e Shakespeare e do nosso Gil Vicente.
É compreensível que poucos estrangeiros consigam entender o Portugal do ano
2013.
Um dia, sem data previsível no calendário, a farsa dramática em palco findará,
antes que, espero, desemboque em tragédia.
Será o povo nas ruas, na fidelidade a grandes rupturas da nossa história, serão
as massas trabalhadoras a alavanca do fim do pesadelo.
Vila Nova de
Gaia, 24/Janeiro/2013