Por José Luis Fiori - do Rio de Janeiro - Publicado em 28/9/2012 -Correio Brasil - Acesso nesta data
(O Castelo
de São Jorge foi utilizado como residência real por D. Afonso Henriques depois
da reconquista de Lisboa aos mouros, em 1147 - Foto no original do Correio Brasil)
O sistema
mundial em que vivemos – interestatal e capitalista – surgiu na Europa, e só na
Europa, entre 1150 e 1450, de um longo conflito sistêmico entre “feudos” e
“centros imperiais” de poder, que conseguiram transformar suas “economias
naturais” em economias capitalistas mais poderosas do que a dos seus rivais.
Neste período, a Península Ibérica cumpriu um papel decisivo, na formação do
próprio sistema e no início da sua expansão para fora da Europa. Os reinos de
Castela, Leon e Aragão, que se transformaram no núcleo político do Império
Habsburgo, que dominou a Europa, durante o século XVI, sob a batuta de Carlos V
e Felipe II. Mas antes dos espanhóis, foi o reino de Portugal que se
estruturou primeiro, como estado nacional, e foi ele também que liderou o
primeiro século da expansão mundial da Europa, depois da sua conquista de
Ceuta, em 1415.
Portugal nasceu de um pequeno “feudo” –
situado entre os rios Minho e Douro – que se rebelou contra Leon e Castela, em
1143, e depois travou uma guerra expansiva de mais de dois séculos, em duas
frentes: contra os muçulmanos, ao sul, e contra os espanhóis, ao leste. Foi
neste período de guerra quase contínua com os “mouros” e os “castelhanos” que
se formou o estado português, depois da “reconquista” de Lisboa, em 1147, e da
expulsão definitiva dos árabes, do Algarve, em 1249; e depois da assinatura do
Tratado de Paz, de 1432, referendando a separação e o reconhecimento mútuo
entre Portugal e Castela, algumas décadas após a Revolução de Avis, de
1385. Mas foi só no século seguinte à expulsão mulçumana de 1249, que Portugal
criou as estruturas legais, tributárias e administrativas do seu estado
moderno.
O mesmo
estado que seguiu se expandindo, durante mais um século e meio, depois da paz
com os castelhanos, até construir o primeiro grande império marítimo da
história moderna. O impulso inicial desta expansão “para fora” não parece ter
tido um objetivo nem um sucesso mercantil imediato, e só promoveu a ocupação e
a colonização dos territórios conquistados, depois de 1450, na Ilha da Madeira.
Além disto, o empreendimento português contou com ajuda externa, mas se
financiou sobretudo através da capacidade tributária do novo estado, e da
riqueza de suas Ordens Militares religiosas – em particular, os Templários,
sucedidos pela Ordem de Cristo, depois do seu fechamento em 1312 – que forjaram
em conjunto uma verdadeira máquina de guerra, conquista e tributação.
Na altura
de 1147, a economia portuguesa era local, e o seu comércio era feito em
espécie. Mas depois de 1249, houve um aumento constante da circulação nacional
de mercadorias, a partir da reforma monetária e do tabelamento de preços,
promovido por D. Afonso III, na década de 1250.
Em 1293,
D. Diniz criou a primeira Bolsa de Mercadorias do país, com um sistema de
seguros para os navios e cargas portuguesas, e durante toda a segunda metade do
século XIII, foram criadas mais de 40 feiras comerciais, responsáveis pela
ativação de um incipiente mercado nacional. Até o século XVI, o estado
português foi o maior proprietário de terras do país, e atuou como uma espécie
de “banco de financiamento” das atividades econômicas públicas e privadas. Foi
só em 1500, que o governo português conseguiu criar o seu sistema de títulos da
divida pública consolidada, e só foi depois de 1540 que esta espécie primitiva
de “capitalismo de estado” foi cedendo lugar ao desenvolvimento de um
capitalismo privado de grandes companhias mercantis. Entretanto, este processo
foi interrompido em 1580, pela incorporação de Portugal pelo império espanhol
de Felipe II, e depois, pela submissão diplomática, financeira e comercial
definitiva de Portugal, à Holanda e à Inglaterra, a partir de 1640.
Esta
história pioneira de Portugal deixou algumas lições sobre a formação do sistema
inter-estatal e do próprio capitalismo:
i. O
primeiro estado nacional europeu já nasceu dentro de um sistema de poderes
competitivos;
ii. Suas
fronteiras territoriais, sua unidade política, e sua identidade nacional foram
construídas por duas guerras que duraram mais de 200 anos;
iii.
Estas guerras “nacionais” se prolongaram imediatamente, num movimento de
expansão “para fora”, na direção da África, Ásia e América, que durou ainda
mais um século e meio;
iv. Estas
guerras e conquistas não tiveram inicialmente um objetivo prioritariamente
mercantil, mas assim mesmo, no longo prazo, tiveram um papel decisivo na
criação e expansão de uma economia de mercado e de um capitalismo nacional
incipiente;
v. Neste
período, esta economia nacional de forte cunho estatal, não alcançou a se
“privatizar”, nem chegou a criar um sistema nacional de bancos e crédito capaz
de mobilizar o capital financeiro português, o segredo do sucesso posterior da
Holanda e da Inglaterra;
vi. Por
fim, se pode dizer que Portugal teve um papel decisivo no “big-bang” do
“sistema interestatal capitalista”, que está vivendo uma nova explosão
expansiva neste início do século XXI.
José Luis
Fiori é
professor titular de Economia Política Internacional da UFRJ e coordenador do
Grupo de Pesquisa do CNPQ/UFRJ “O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo”.
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